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Foto: Paulo Amarall

DA TERRA À LUA

38º Festivale  - Festival Nacional de Teatro do Vale do Paraíba

Crítica: Da Terra à Lua

Bob Souza

São José dos Campos

A adaptação teatral de Da Terra à Lua pela Sabre de Luz Teatro, apresentada na  38a Edição do Festivale, revela um espetáculo cuja narrativa visual e construção da visualidade se empenham em traduzir o espírito exploratório e filosófico de Júlio Verne para o palco. Sob direção e texto de Joyce Salomão, a montagem transforma a narrativa de exploração científica e social em uma jornada de reflexão coletiva sobre o sonho, a união e os desafios humanos. A peça combina aventura e filosofia em uma encenação que dialoga com públicos de todas as idades, destacando-se pela riqueza de sua narrativa visual.

A cenografia, desenvolvida pela Sabre de Luz Teatro e construída por Cristiano Salomão, reflete o equilíbrio entre funcionalidade e imaginação. A modularidade dos cenários permite a rápida transição entre os ambientes, representando desde os debates no Clube do Canhão até a vastidão cósmica. Essa flexibilidade cênica amplia o impacto visual e oferece ao público uma experiência imersiva.

Os figurinos, criados por Joyce Salomão com costura de Daíse Neves, adotam um estilo que mistura referências clássicas e elementos lúdicos, reforçando o tom de fantasia científica. Adereços elaborados por Nino Belucci enriquecem a narrativa ao simbolizar a engenhosidade humana e os detalhes da exploração espacial. A iluminação de Pedro Moura é um dos grandes destaques da encenação, construindo uma narrativa imagética extremamente lúdica que interage com a jornada espacial da expedição. A direção de arte alinha-se à estética steampunk, ao mesmo tempo em que mantém uma leveza visual que conversa com o público infantil. Nessa estética, inspirada pela Revolução Industrial e pelas visões futuristas do século XIX, a visualidade evoca máquinas a vapor, engrenagens e invenções que dialogam diretamente com o espírito inovador de Júlio Verne.

Ao enfatizar a importância de "pensar em prol do outro", a montagem propõe uma visão utópica da humanidade, questionando valores contemporâneos como o consumo desenfreado e a alienação tecnológica.

Um dos méritos da montagem é sua pesquisa junto ao público infantil - comprovado num rico debate entre as crianças que assistiram a apresentação no Cine Santana e o elenco - que se reflete tanto no ritmo dinâmico quanto na linguagem acessível. A peça não subestima a inteligência das crianças, mas as desafia a pensar criticamente sobre suas relações com o mundo e com o outro. Elementos lúdicos, como a trilha sonora com tons épicos e intervenções cômicas dos personagens,
criam um equilíbrio entre o entretenimento e a provocação reflexiva.

A escolha de uma mulher como líder científica da trama subverte expectativas e reforça a urgência de visibilizar o protagonismo feminino em um campo historicamente dominado por homens. A personagem central, interpretada com carisma e força por Joyce Salomão se torna uma figura de inspiração ao combinar racionalidade, empatia e idealismo. A dramaturgia explora as dificuldades que mulheres enfrentam em ambientes dominados pelo individualismo e pela competição, utilizando a trama como uma metáfora para o enfrentamento desses desafios.

A construção da personagem é ainda mais potente ao inserir o debate sobre ciência como um ato coletivo e inclusivo, contrastando com a postura de alguns personagens que representam o egoísmo e os interesses individuais. Essa abordagem estimula uma reflexão não apenas sobre a igualdade de gênero, mas também sobre o valor da diversidade nas construções sociais e científicas. Da Terra à Lua é uma obra que questiona a humanidade e seus sonhos de conquista, convidando o público a uma jornada de introspecção e coletividade. Ao introduzir uma cientista como protagonista e enfatizar a importância da colaboração e da empatia, a montagem se alinha com questões fundamentais do presente, tornando-se mais do que uma adaptação da obra de Júlio Verne. A Sabre de Luz Teatro apresenta um espetáculo visualmente rico e filosoficamente instigante, que celebra a capacidade humana de imaginar e compartilhar sonhos. Ao final, Da Terra à Lua reafirma o teatro como um espaço de diálogo, onde a arte inspira novas formas de ver e transformar o mundo. 

 

Bob Sousa é fotógrafo, pesquisador, crítico e doutorando em Artes Cênicas no Instituto de Artes da Unesp, onde tem Mestrado em Artes, e jurado de Teatro da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes e do Prêmio Arcanjo de Cultura

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